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Colapso do Banco Master expõe falhas regulatórias, riscos ocultos e a urgência de um sistema financeiro mais técnico.

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Durante muitos meses — talvez anos — o Banco Master desmoronou devagar, como um prédio que trinca por dentro enquanto a fachada parece intacta. Os clientes continuavam a investir, as plataformas continuavam a distribuir CDBs com rentabilidade generosa, os papéis circulavam entre instituições, e os relatórios internos, quando existiam, seguiam confirmando que tudo estava sob controle.
Foi só em novembro de 2025, quando o Banco Central finalmente decretou a liquidação extrajudicial, que o país acordou com a notícia de que algo gigantesco havia ruído. O anúncio não veio acompanhado de sirenes nem de discursos oficiais inflamados. Chegou como chegam as notícias que realmente importam: de forma seca, discreta, com a frieza burocrática das decisões que tentam abafar uma tragédia.
Nos dias seguintes ao decreto, analistas começaram a cavar o terreno. A cada movimento, um susto: as camadas de risco eram mais antigas do que se supunha, e as fissuras internas, mais profundas. Havia operações bilionárias trocando de mãos em velocidade impressionante entre o Master e o BRB; havia ativos encalhados que o banco insistia em chamar de lastro; havia empresas em recuperação judicial servindo de escora para bilhões em depósitos; havia títulos que prometiam segurança em letras garrafais e escondiam fragilidade em rodapés quase invisíveis.
E havia um ponto em que as contas simplesmente deixavam de fechar. Um banco com cerca de R$50 bilhões em captação, sufocado por vencimentos de R$12 bilhões em CDBs no horizonte imediato, dependia, para sobreviver, de milagres contábeis.
À medida que novas peças apareciam, a história começou a adquirir outra textura. Não era apenas um caso de má gestão ou, como se diz no jargão financeiro, de “mismatch” entre ativos e passivos. Havia também um componente político, a possibilidade de proteção indevida, de portas abertas e favores cruzados. Acrescenta-se um componente decisivo para entender a longevidade do problema: o entrelaçamento de interesses políticos e empresariais que supostamente beneficiava o controlador do Master. O banqueiro teria tecido, ao longo dos anos, uma rede de proteção política, o que, na prática, teria funcionado como amortecedor contra fiscalizações mais profundas.
Esse aspecto revela que a regulação financeira não se dá apenas no campo técnico, mas também no campo político. Quando relações de influência provocam erosão na autonomia de inspeção, o risco deixa de ser apenas econômico e se torna institucional.
No Banco Central, nenhum comunicado assumiu a demora. O órgão responsável por vigiar a integridade do sistema financeiro tornou-se, subitamente, personagem da história.
Ao contrário das crises ruidosas, esta não explodiu — implodiu. Em silêncio, no interior de relatórios técnicos, nos meandros de operações que pareciam rotineiras, nas salas de reunião onde ninguém parecia perceber que o balancete era um animal selvagem disfarçado de planilha. O Master caiu para dentro, engolindo-se a si mesmo, e só depois o vazio se tornou visível.
As crises financeiras revelam aquilo que preferimos não ver. No caso do Master, o país se deparou com três descobertas desconfortáveis:
Aqui a crise deixa de se restringir ao Master e traz alertas para o país.
A implosão de um banco médio, em condições normais, não deveria ameaçar metade do Fundo Garantidor de Créditos; não deveria gerar uma corrida por auditorias externas; não deveria colocar em xeque operações de outros bancos; não deveria desmontar, em tão poucos dias, a confiança em produtos que eram vendidos como seguros. E, sobretudo, não deveria pegar ninguém de surpresa.
Pelos corredores do mercado financeiro, instalou-se um silêncio desconfortável. Não é o medo do colapso, é o medo da constatação: o sistema mudou, mas a forma de entendê-lo não mudou na mesma velocidade.
Algumas perguntas aparecem:
Essas perguntas técnicas quase nunca aparecem no jornalismo diário. Mas são elas que determinam se um banco vive ou morre. São elas que revelam o que a crise exige: uma sofisticação de leitura, análise e supervisão que já não é opcional.
Não se trata de defender formações específicas ou reverenciar especialistas. Trata-se de constatar que o Brasil foi empurrado para dentro de um sistema financeiro que opera em múltiplos planos — jurídico, econômico, tecnológico, regulatório, político — e que nenhum desses planos pode ser compreendido isoladamente. É no universo de banking que se joga, cada vez mais, a estabilidade econômica e institucional do país.
Se antes muitos bancos e plataformas tratavam áreas como risco, compliance, supervisão regulatória e análise de crédito estruturado como funções periféricas, agora o mercado caminha para reconhecê-las como o centro de gravidade da atividade financeira. Afinal um sistema financeiro complexo não sobrevive com profissionais de formação simples.
Assim, sem proselitismo, o caso Master funciona como um lembrete poderoso de que temas tradicionalmente associados ao campo de Banking — governança bancária, regulação prudencial, due diligence em carteiras, mecanismos de supervisão, arquétipos de risco sistêmico, compliance independente, análise macroprudencial — não são mais especialidades de nicho, mas condições mínimas de estabilidade.
O banco caiu e o que desabou com ele foi a ilusão de que ainda vivíamos num sistema simples, intuitivo, previsível. E quando uma ilusão dessas se desfaz, a liquidação extrajudicial não resolve todo o problema.