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Marcos Legal dos Cripto Ativos e o Case da FTX

Entenda como a regulação do mercado de cripto ativos pode ajudar a evitar

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Entenda mais sobre o Marco Legal dos Cripto Ativos

Quase nos últimos dias do ano de 2022, foi sancionada a lei nº 14.478 de 21 de dezembro de 2022, que trata sobre as diretrizes que devem ser observadas na prestação e na regulamentação de serviços de ativos virtuais. A Lei foi sancionada sem quaisquer vetos por parte da presidência, mantendo-se, na íntegra, o texto oriundo do Congresso Nacional. Por conta da vacatio legis, ela só entrará em vigor após decorridos 180 dias da sua publicação oficial.

Esta Lei tem como propósito estabelecer regras claras para o uso e operação dos Criptoativos, garantindo maior segurança e transparência para os diversos players do mercado, o que, com o aumento nas operações destes ativos, tornou-se uma necessidade. 

Seria a CVM o órgão regulador?

Existia a expectativa de que, por meio de um veto presidencial, fosse retirado do texto o artigo que excluí os Criptoativos do rol de valores mobiliários, o que limita a competência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para supervisionar estes ativos, fato que não aconteceu. Com a exclusão destes ativos digitais da alçada da CVM, existe a grande possibilidade de que o Banco Central venha a ser o órgão regulador dos Criptoativos. Vale lembrar que, em outubro de 2022, a CVM já havia emitido o Parecer n.40, que tratava do entendimento da autarquia acerca das normas aplicáveis aos Criptoativos.

Para a Lei, criptoativo ou ativo digital, é a “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, estando excluídas as moedas nacional e estrangeira, a moeda eletrônica e instrumentos que prevejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos como, por exemplo, pontos de programa fidelidade. Também estão excluídas deste conceito as representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento específico. 

Outra definição importante é acerca da definição das prestadoras de serviços de ativos virtuais – as, já conhecidas, exchanges. A Lei diz que “considera-se prestadora de serviço de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais”. Estes serviços podem ser: a) troca entre ativos virtuais e modela nacional ou moeda estrangeira; b) troca entre um ou mais ativos virtuais; c) transferência de artigos virtuais; d) custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem o controle sobre ativos virtuais; ou e) a participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais. 

A Lei também alterou o código penal a fim de acrescer o artigo 171-A, que tipifica o crime de “fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, bem como inclui as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de sociedades que têm suas atividades submetidas ao controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Embora tenha sido um marco legal extremamente importante para a regulação dos criptoativos no Brasil, a lei deixa de tratar sobre o tema da segregação patrimonial. O artigo que tratava do assunto chegou a ser incluído na redação original, mas foi derrubado durante o trâmite legal. O dispositivo impedia que os recursos dos clientes de uma determinada Exchange fossem misturados entre si ou com os recursos da própria empresa. Isso permitiria, por exemplo, a devolução dos recursos de clientes em caso de falência da exchange, ao invés da utilização destes para pagar os credores. 

Neste ponto, vale lembrar o que ocorreu, recentemente, a uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo, a FTX que, suspeita-se, utilizava recursos dos clientes para aplicações próprias, resultando na quebra da corretora e calote nos clientes. 

O Caso FTX e o Impulso por Regulação

A FTX, fundada em 2019, foi uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo e, em 11 de novembro de 2022, entrou com pedido de falência nos Estados Unidos, afirmando que devia aproximadamente US$ 1,45 bilhão a seus principais credores. 

A crise da FTX iniciou após a divulgação do balanço da Alameda Research, empresa do grupo FTX, o qual demonstrou que 30% de todas as reservas da empresa eram de FTT, um token emitido pela própria FTX, dando início à uma pressão vendedora e culminando no pedido de falência, que se deu por conta de uma crise de liquidez que atingiu todo o setor.

Com as grandes preocupações geradas com o colapso da FTX, todo o mercado de criptoativos passou a ser mais aberto às discussões de questões importantes, como a governança dessas exchanges, principalmente quanto a regulamentação, medidas de conformidade, auditorias, transparência e outras práticas que trazem mais confiança. 

Ao que tudo indica, a FTX utilizou os recursos de clientes para cobrir os rombos que possuía e, quando houve a crise de liquidez devido aos saques realizados pelos clientes, não conseguiu honrar com os compromissos assumidos e quebrou. 

Importa destacar que a FTX atuava sob regulação da SEC, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, que agiu rapidamente para acusar, formalmente, a empresa por fraude eletrônica, conspiração de fraude eletrônica, fraude de valores mobiliários, conspiração de fraude de valores mobiliários e lavagem de dinheiro. 

Neste ponto, fica muito clara a importância da governança nas exchanges, tornando a segregação patrimonial entre o capital da corretora e os recursos de seus clientes fundamental para a saúde da corretora. Embora se saiba que a alavancagem é parte do setor e que os clientes arrojados buscam maiores ganhos, é importante que as exchanges mantenham-se em um nível minimamente seguro financeiramente e que garantam a devida transparência de seus negócios. 

Além disso, é muito importante, também, que uma exchange possa fornecer um relatório de solvência, em que está demonstrado que o ativo gerido pela empresa é maior que seus passivos, ou seja, existe lastro patrimonial. 

Outra forma de trazer mais segurança é através de protocolos de conhecimento zero (Zero-knowledge proof), que é um método pelo qual uma parte possa provar à outra que uma informação é verdadeira mesmo sem transmitir informações complementares.

Ainda que não se tenha notícias de regulações levando em consideração o tema da segregação patrimonial ou outros fatores e provas que tornariam as exchanges mais seguras, cabe às autoridades reguladoras ou, inclusive, ao próprio consumidor, realizar verificações de segurança e exigi-las do mercado.

Por fim, apesar da ausência de tais mecanismos, importa destacar que a atuação fraudulenta por meio de corretoras não é impune no Brasil e, assim como foi verificado no país norte-americano, em terrar tupiniquins o legislador definiu que sócios e representantes de corretoras que pratiquem o tipificado no artigo 171-A do Código Penal (fraude) poderão ser condenados à pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

Desta forma, ainda que tenhamos um longo caminho a ser percorrido para tornar tais operações em exchanges de fato seguras, os consumidores e investidores terão ao menos a certeza de que os crimes cometidos serão julgados e, possivelmente, não sairão impunes.  

Autores

Mariana Dalblon
Advogada, pós-graduanda em Sistemas Inteligentes de Apoio à Decisão em Negócios - PUC-RIO e integrante do comitê executivo do Legal Hackers Porto Alegre.
Othávio Cardoso
Sócio | C&M - Cardoso e Monte Advogados Associados