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NFT, cripotomoedas e criptoativos: os desafios da tributação na web 3.o

Parece precipitado reduzir todos os tokens à mesma categoria e tratá-los como ativos financeiros para tributação

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Se em meados do século 21 o mundo vivia os impactos da globalização, principalmente, decorrente da popularização da internet e surgimento dos smartphones, atualmente presenciamos os primeiros resultados da descentralização da economia com a evolução da web 3.0, popularização dos tokens e expansão da tecnologia blockchain. Com isso, surgem não só novas relações, mas também, novos desafios conceituais, jurídicos e econômicos.  

Nesse sentido, a tecnologia blockchain, como expoente dessa revolução tecnológica, nos coloca diante de uma nova era de relações. Isso pois, a blockchain, de acordo com Satosho Nakamoto (2008)[1], configura-se como “uma rede que marca o tempo das transações, colocando-as em uma cadeia contínua no ‘hash’, formando um registro que não pode ser alterado sem refazer todo o trabalho”, ou seja, é como um livro de registro aberto e público, em que as informações são registradas de maneira descentralizada e transparente, formando uma grande cadeia de blocos de informações. Em outras palavras, a blockchain funciona como uma base de dados distribuída que armazena informações de maneira transparente, inviolável e permanente.  

Esta tecnologia foi a precursora do bitcoin e ganhou forma pela primeira vez para viabilizar transações com criptomoeda. A ideia por traz desse desenvolvimento era justamente descentralizar o sistema financeiro, permitindo que fossem realizadas transações 24/7 sem a necessidade de uma instituição financeira validando-as. Contudo, o seu potencial tecnológico permite muitas outras aplicações, o que levou a utilização da mesma em outros setores da economia, como é o caso da web 3.0.

Assim sendo, a web 3.0 se apresenta como a próxima evolução da internet, visando trazer maior autonomia ao usuário e descentralização ao sistema. Dessa forma, a economia de compartilhamento e de informação, que marcou a web 2.0 com as mídias sociais, streaming e compras online, abre espaço para o uso de tokens, machine learning e blockchain. Nesse cenário, os tokens ganharam destaque nos últimos tempos, por se tratarem de representações digitais de um ativo real, podendo ter diversas utilizações, como para segurança, utilidade e pagamentos, mas também por serem facilmente transacionados no ambiente da web 3.0 e do metaverso, que se pautam na tecnologia da blockchain.  

Dentre esses, os tokens não fungíveis (NFT) foram um dos que rapidamente se difundiram. Sendo as NFTs representações digitais únicas, que variam desde obras de artes até acessórios para avatares de jogos. Essa espécie de token é atrelada a um contrato inteligente, o qual estabelece os seus termos e condições de transação e o torna fungível, ou seja, único. Vale ressaltar que as transações com NFTs, seja venda ou compra, são feitas por meio de criptomoedas dentro da blockchain e já movimentaram um mercado de cerca de US$ 70 bilhões entre 2021 e maio de 2022.[2]

Com esse mercado aquecido, novos nichos e oportunidades são explorados, a exemplo dos marketplaces de NFTs, mas também afloram desafios jurídicos que envolvem desde a sua regulamentação até a sua tributação, uma vez que ainda não existe uma legislação específica sobre o tema.  

Atualmente, o grande questionamento em relação aos NFTs e criptoativos no geral se refere a natureza jurídica desses ativos digitais, visto que eles podem ter diferentes aplicabilidades e usos. Logo, existe a dúvida se estamos diante de um investimento, de um serviço ou até mesmo de uma mercadoria. Em termos de tributação muito semelhante ao que se viveu no julgamento do RE 176.626 e ADI 1945 sobre a tributação devida aos softwares, que se iniciou em 1988 e finalizou em 2021, a falta de definição da natureza jurídica desses bens digitais gera dúvida sobre qual a tributação devida. Pode-se falar na incidência de ICMS, ISS ou IR?  

Na falta de legislação específica, a Receita Federal (RFB), de maneira infralegal, tentou trazer um norte para o tema por meio da Instrução Normativa nº 1.888/2019. A IN além de dispor sobre a necessidade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à RFB, também trouxe em seu artigo 5º a definição de criptoativo:

“Um criptoativo equivale a uma “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Por meio desta normativa junto com a Solução de Consulta Cosit 214 de 2021, é possível observar que a RFB adotou o posicionamento de que os criptoativos possuem natureza de ativos financeiros, inclusive os NFTs, estabelecendo a incidência de Imposto de Renda sobre o ganho de capital em transações que superem o montante de R$ 35 mil, incluindo a alienação na modalidade de permuta. Ou seja, a utilização de uma criptomoeda na aquisição de outra também está sujeita ao Imposto de Renda.  

Além disso, o contribuinte fica obrigado a informar a posse de NFTs, quando o valor de aquisição for igual ou superior a R$ 5.000, e nos casos em que as operações com criptoativos superem R$ 30 mil no mesmo mês, mesmo que geram prejuízo para o vendedor e independentemente de qual tipo de criptoativo é transacionado.  

Contudo, em se tratando de NFTs, o posicionamento da Receita Federal abre margem para algumas oposições.  

Primeiramente, em relação a natureza jurídica desses ativos, o conceito que o órgão delimita considera como criptoativo qualquer representação digital transacionada na blockchain que tenha a sua própria unidade de conta, o que não é o caso das NFTs que são lastreadas em criptomoedas diversas. Portanto, as NFTs por não estarem enquadradas em todos os requisitos estabelecidos pelo órgão não deveriam ser equiparadas a ativos financeiros. Mas, o posicionamento da RFB é diverso e essas são consideradas criptoativos para fins de aplicação na aludida Instrução Normativa.  

Somado a isso, há casos em que os NFTs podem ser consideradas obras de artes, devendo ser observados os regramentos de direito autoral e não de investimentos em ativos financeiros. Isso pois, a luz do direito autoral, o artista que produz o NFT, quando vende a sua obra de arte como pessoa física, a tributação devida é sobre a renda ordinária e não sobre o ganho de capital. Da mesma forma que, quando a venda é feita pela pessoa jurídica, as receitas decorrentes da alienação do NFT são consideradas de índole operacional, devendo ser tributadas como tal sob o respectivo regime jurídico da pessoa jurídica em questão.  

Existem ainda as hipóteses em que o NFT pode ser considerado como um serviço, a exemplo dos casos em que o token dá acesso a um clube de serviços e benefícios. Uma vez comprado o NFT a pessoa passa a ter acesso a descontos, promoções e eventos exclusivos, o que levaria a incidência do ISS.  

Dessa forma, parece precipitado reduzir todos os tokens a mesma categoria de criptoativos e tratá-los como ativos financeiros para fins de tributação. Restando claro que como todo mercado em ascensão, a web 3.0 junto aos NFTs trazem antigos questionamentos com novas roupagens, necessitando uma maior compreensão de seus fenômenos e novas relações para determinar a melhor forma de tributação em cada caso.

[1] Nakamoto, Satochi. Bitcoin: Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. 2008. Disponível em: www.bitcoin.org

[2] Chainalysis. The NFT Market Report.2022. Disponível em: https://go.chainalysis.com/nft-market-report.html

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Autores

Luiza Leite
Fundadora da Tax Vision. Advogada com experiência em direito tributário. Professora nos cursos de pós graduação da FGV e do Ibmec. Pesquisadora em tributação de novas tecnologias pela UFRJ.