A Revolução da IA na Gestão Jurídica
um novo paradigma para eficiência e tomada de decisões
Compreendendo melhor os termos do Simple Agreement for Future Equity criado pela Y Combinator. Direito para startups
Uma parceria com
Foi criada em 2005, no Vale do Silício, a aceleradora YCombinator. Hoje considerada uma das principais aceleradoras americanas – senão a maior – conta hoje com mais de 3.000 startups em seu portfólio de investimento. A aceleradora éespecializada em seed capital – capital direcionado a startups em estágio inicial – e duas vezes por ano seleciona startups promissoras, nas quais investe quinhentos mil dólares, além de fornecer orientações riquíssimas de como a startup pode intensificar e alavancar suas atividades e negócios.
Em 2013, a aceleradoradesenvolveu o modelo de contrato denominado SAFE: “Simple Agreement for FutureEquity” (em tradução livre: Acordo Simples para Participação Futura) e, segundo a própria, vem sendo usado desde então como principal instrumento de captação para startups em estágio inicial . Na prática e de forma resumida, o instrumento de SAFE garante aos fundadores o acesso ao capital de forma prévia e os investidores obtêm ações no futuro quando a startup converte em rodadas posteriores.
O SAFE foi desenvolvido por Carolynn Levy, advogada e sócia da Y Combinator e em muitos aspectos se assemelha ao clássico modelo de notas conversíveis (ou mútuo conversível, que será abordado à frente). Em resumo, é um modelo de contrato que viabiliza um empréstimo, a disponibilização de capital no qual o investidor, futuramente, terá a opção de converter esse capital em cotas de participação na empresa.
Entretanto, diferentemente do clássico Mútuo, o valuation (a precificação do valor da empresa) e a participação ofertada não é definido no âmbito da rodada presente, e sim no futuro. Tal possibilidade amplia garantias aos investidores, uma vez que o valor efetivo da empresa somente será definido em um momento mais maduro, no qual ela já terá – em tese – se provado ao mercado.
Ainda segundo a aceleradora, em seu site, o contrato permite “a captação de recursos em alta resolução”, permitindo que startups e investidores coordenem o fechamento de um único instrumento de investimento – sem negociações multilaterais – de forma muito mais transparente e segura sobre seus termos. A “segurança flexível” de um documento único e sem espaço para deliberação sobre seus termos garante a economia de tempo e dinheiro para startups e investidores.
O primeiro template de SAFE apresentado foi o “PreMoney”, ou seja, um contrato de investimento para captação de recursos menores antes de uma rodada de financiamento precificada (uma rodada Series A com disponibilização de ações preferenciais da empresa), cujo objetivo principal é obter dinheiro rápido e deforma simples antes de instaurar propriamente uma rodada de investimento e sem contabilizar o dinheiro efetivamente investido. Neste, os investidores figuram apenas como investidores-anjo e não vinculam rodadas posteriores, não sendo considerados os valores aportados em SAFE para fins de patrimônio.
Posteriormente foi verificada a necessidade de criação de modelos “PostMoney”, ou seja, um template que abranja investimentos de montantes maiores e mais robustos realizados de forma integrada – ou seja, considerando todos os outros investimentos da rodada (queainda não é considerada uma rodada série A, mas sim uma rodada seed) –possibilitando que seja realizada cálculo acurado do valor da companhia e de quanto efetivamente será convertido somente quando for possível realizar tal levantamento (mesmo que após a assinatura do SAFE), bem como incluindo o real patrimônio do investido).
Afim de compreender melhor a estrutura do contrato, cabe breve descrição de suas principais cláusulas – que são fixas, imutáveis e indiscutíveis – e que por suavez dão o tom das negociações envolvendo o SAFE, caracterizando a transação ediferenciando-a de outras modalidades de investimento.
São os eventos que irão desencadear a garantia da conversão do SAFE de um modelo de dívida para o modelo de participação. São os gatilhos definidos pelas empresascomo aqueles que viabilizarão que o contrato modifique seu modo de operação. Normalmente são definidos mais de um gatilho para o mesmo contrato e suao corrência dará direito ao reembolso do investimento ou o direito da subscrição de participação na startup. Vale pontuar que, em caso de não ocorrência dos eventos, não haverá reembolso do valor. Os gatilhos mais comuns são: EquityFinancing (Financiamento através da emissão de ações); Liquidity Event (Eventode Liquidez, ou seja, eventos predefinidos que permitem o saque do valorinvestido) e Dissolution Event (Dissolução).
É subentendido no SAFE que o investidor terá direito a ações calculadas por um preço inferior ao ofertado para o “grande público”. Esse preço atenderá, porém, a critérios distintos a depender do contexto que favorecer mais o investidor ou o que for definido previamente entre as partes. Esses critérios são o “Valuation Cap” ou o “DiscountRate”.
O Valuation Cap corresponde ao limite máximo de valor de avaliação da startup que poderá ser considerado para fins de designação do preço das ações. Definir o valuation da empresa com exatidão permite que o preço das ações se aproxime de seu valor real e venal. Caso seja baixo demais, não resultará em aumento efetivo de capital para aempresa. Caso seja alto demais, dificilmente as ações serão adquiridas por terceiro e a função da oferta não será atingida.
No entanto, não é interessante para o investidor que o valuation atinja valor demasiado que torne baixo o número de ações a serem convertidas – e possivelmente diluídas em próximas rodadas. O valuation, conforme explanado, pode ser definido em um modelo “PreMoney” ou “Post Money”.
Pretende o investidor, com isto, impedir que a participação social que venha a adquirir resulte diluída na eventualidade de a startup se ter, entretanto, valorizado para além daquele limite. Note-se que o investidor, até ao trigger event aoabrigo do qual se torne sócio, não deve ter qualquer ingerência na startup, pelo que se compreende que queira acautelar desta forma o seu (eventual) futurostatus socii na startup.
Já o Discount Rate prevê taxa de desconto a ser aplicada para ao valor das ações. É previsto de modo a recompensar o investidor por ter apostado suas fichas na startup em seusmomentos iniciais.
A tradução de “Pro-Rata” é, literalmente, “proporcional”. A previsão de uma cláusula Pro-Rata em contratos de investimento assegura que o investidor terá direito de subscrever, em rodadas futuras (especificamente ofertas particulares), número de ações proporcionalmente as que já possui.
É instaurado com o objetivo de impedir que o investidor seja diluído por novas rodadas de investimento, protegendo sua permanência no quadro da empresa e, mais uma vez, recompensando-o por acreditar na startup em seu estágio inicial de vida. Importante mencionar, porém, que ao lançar mão do mecanismo de direito Pro-Rata, o investidor não terá direito de se beneficiar de cláusulas como oValuation Cap e Discount Rate.
Atualmente, o modelo de contrato de investimento mais utilizado no Brasil é o Mútuo Conversível, adaptação das convertible notes americana, que é um instrumento de dívida cujos contratos possuem diversas cláusulas, chegando a ter mais de páginas e longos processos de discussão. O modelo também possui diversas falhas(como a incidência de IOF sobre o valor investido) e a dinâmica de negociação pode – e provavelmente vai ser – muito mais complexa, extensa e cheia de divergências quando comparado ao de uma negociação via SAFE.
Em resumo, é possível afirmar que o SAFE garante a conversão do valor do titular da dívida em quotas ou ações – participação societária – mediante o a contecimento de eventos desencadeantes e em rodadas próximas. São populares em investimentos iniciais, cortam custos, tempo e burocracias no processo de negociação sem a necessidade de valuation prévio e de vinculação a rodadas de investimento.
Infelizmente, o direito brasileiro é tido como hostil à startups, à inovação e ao empreendedorismo como um todo e necessita de intensa reorganização a fim de tornar o ambiente frutífero ao surgimento de novas empresas e ao recebimento de investimentos. Estruturas contratuais demasiadamente complexas e extensas vão de encontro com esse objetivo, que faz-se absolutamente necessário para a concretização do Brasil enquanto potência mundial empreendedora e de inovação. O SAFE funciona como importante exemplo de como boas práticas jurídicas podem impactar positivamente o ecossistema empreendedor de um país.