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Uma Visão Sobre Os Desafios da Transição Energética no Brasil

ESG, carvão mineral e a polêmica da Atmo e Fábio Alperowitch. Entenda como o ESG gerou um debate entre gigantes.

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Poucos temas capturam a atenção pública tão intensamente quanto à temática ESG e seu papel fundamental para o fomento e incentivo à transição energética. São amplos os sinais de que a indústria de energia está diante de uma mudança paradigmática, desde o compromisso público de algumas maiores empresas do mundo com o uso energia 100% renovável em seus processos produtivos, até mesmo companhias que passaram a perseguir a neutralização de 100% de suas emissões de CO2.

A demanda social por energia renovável impõe uma série de desafios para o setor elétrico e de modo mais amplo para toda a indústria energética, sobretudo considerando a necessidade de conciliarmos respeito aos contratos assinados pelos agentes setoriais, modicidade tarifária e a segurança do suprimento.

Este cenário complexo demanda que se tenha a capacidade de se tomar medidas impopulares no curto prazo, desde que embasadas tecnicamente e com o intuito de produzir um resultado positivo, não apenas atender formalmente a critérios ESG, os quais, dissociados da busca incessante pela redução global do impacto socioambiental, não passa de uma buzzword passageira.

Viu-se recentemente em âmbito europeu as consequências nocivas tanto em relação ao preço da energia elétrica quanto à segurança de suprimento que um conflito bélico na fronteira da União Europeia trouxe para os países da região.

Essa vulnerabilidade geopolítica e energética é em larga medida decorrente das medidas para o descomissionamento das usinas termonucleares e térmicas movidas a carvão no continente europeu, sendo tal movimento mais proeminente na Alemanha, particularmente afetado pela atual crise energética.

Embora o Brasil não esteja sujeito aos mesmos riscos geopolíticos que o continente europeu, este exemplo mostra como fatores exógenos e excepcionais podem ter um impacto catastrófico sobre empresas e cidadãos diante do aumento do preço da energia ou de sua produção insuficiente.

Neste sentido, uma das fontes energéticas mais criticadas é a produção de energia elétrica a partir de termelétricas a carvão, de caráter residual no parque elétrico brasileiro (representando menos de 3% do sistema), mas de importância crucial para a segurança do suprimento de energia em nosso país, além de prover a subsistência das regiões carboníferas.

Importante lembrar que as termelétricas tiveram importantíssimo para a segurança energética do país em 2020 e parte de 2021, reduzindo a gravidade da crise hídrica ao evitar o esvaziamento dos reservatórios e impedir um colapso no desenvolvimento.

O simples e prematuro descomissionamento destas térmicas sem o planejamento para uma transição energética adequada, meramente preocupado com o somatório de emissões de carbonos desses ativos, traria um forte impacto social e econômico sobre as regiões carboníferas, por exemplo, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Para uma transição energética adequada deve-se levar em conta, além de todas as análises feitas com base nos critérios ESG, necessariamente, observar todo o contexto em que se está inserida aquela atividade, sob pena de se obter uma redução ínfima da pegada de carbono nacional às expensas de uma tragédia social, por exemplo, no Sul do país, com reflexos sobre emprego, renda, segurança e até mesmo expectativa de vida na região.

Ademais, importante considerar quais atividades produtivas e menos poluentes que a carbonífera poderiam gerar a mesma quantidade de empregos e renda na região, bem como o custo tributário envolvido na criação de incentivos para a fixação de novas cadeias produtivas na região.

A discussão fica ainda mais nuançada quando se comparam, por exemplo, as emissões causadas pelo desmatamento e aquelas decorrentes da produção de energia elétrica. Enquanto as emissões causadas pelo desmatamento representam um total de 850 milhões de toneladas de CO2e por ano, todas as emissões do setor elétrico representam apenas 56 milhões de toneladas de CO2e por ano, 15 vezes menos.

Diante desses dados, cabe indagar se o foco prioritário das discussões sobre redução da pegada de carbono no Brasil deveria recair sobre projetos que são inegavelmente poluentes, mas pouco representativos nas emissões totais do setor elétrico, sobretudo considerando a sua importância para a segurança de suprimento energético e para a atividade econômica nas áreas carboníferas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ou se o combate à outros “vilões”, como por exemplo, o desmatamento, atividade que gera parcos benefícios socioeconômicos, deveria ser o ponto focal de atenção no debate ESG brasileiro.

Acreditamos que todo o seguimento de ESG tem um papel fundamental nesta transição energética.

Neste sentido, cabe aqui uma provocação:

Será que o papel do seguimento de ESG seria o de somente apontar para investimentos em energia limpa?

Que tal “abrirmais os olhos”, “sair mais da caixa” e apontar para investimentos que ainda que sejam feitos em fontes consideradas poluentes, sejam eles voltados e condicionados a uma transição energética mais sustentável daquela fonte, conjugando assim o ambiental, o social e a segurança energética?

Conclusivamente, acreditamos que o futuro do setor elétrico passa por uma matriz elétrica diversificada, dispersa e integrada, baseada em fontes renováveis e na ascensão de sistemas distribuídos, com o uso crescente de baterias e otimização da geração e consumo de energia. No entanto, para se alcançar esse ponto em que o sistema elétrico gerará ainda menos CO2 ou atingirá o ponto de carbono neutral, não se pode negligenciar a necessidade de uma transição energética que privilegie a segurança energética e os efeitos sobre as comunidades dependentes de atividades econômicas consideradas poluentes.

Com essas breves reflexões, espera-se que tenhamos sempre uma visão do “copo meio cheio” e assim possamos reconhecer também os efeitos positivos de fontes térmicas a carvão na matriz elétrica brasileira e que possamos usar de forma proativa as análises ESG, saindo de uma análise meramente preocupada com o somatório de emissões dos ativos (tema importante, mas não único), passando também para uma análise mais ampla com a finalidade de se contribuir para uma transição energética mais sustentável possível.

Autores

Andreu Wilson
Senior Lawyer na Lobão Cosenza, Figueiredo Cavalcante Advogados
Tiago M. Lobão C. Cosenza
Sócio fundador do LCFC+ Advogados. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Energia – IBDE.